Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni
Por Augusto Pachêco
Como falar sobre a obra
máxima de Michelangelo Antonioni, escolher um filme a considerar obra-prima
entre os vários títulos importantes da carreira do cineasta italiano que, se
não inventou, praticamente marcou seu trabalho com o legado da estética da
incomunicabilidade na sétima arte?
“Zabriskie Point”,
concluído em 1970, depois de quatro anos de produção e filmagens, foi realizado
no momento de gozo de suas qualidades de cineasta (“Blow up” foi um sucesso inesperado
no mercado americano). A produção de Carlo Ponti permitiu um olhar autoral
sobre a América, um filme de estrada que usa planos abertos para captar o clima
de rebelião ao estado das coisas e que reflete a virada de uma década de utopias
para outra em que as dúvidas sobrepuseram certezas revolucionárias.
Antonioni sempre foi
cineasta de seu tempo. Contemporâneo dos neorrealistas, não se agrupou
esteticamente ao movimento de renovação do cinema italiano pós-Segunda Guerra.
Para ele, a janela do cinema estaria mais próxima de uma sensação de
deslocamento. A perplexidade da câmera tendo como foco a indiferença e
coisificação da condição humana, tão bem exposta na tetralogia formada por “A
Aventura”, “O Eclipse”, “A Noite” e “Deserto Vermelho”.
Em “Blow Up - Depois
daquele Beijo”, “Zabriskie Point” e “O Passageiro – Profissão Repórter”,
Antonioni dá asas à imaginação e corre pelo mundo, reinventa o cinema e
questiona o que assistimos como realidade. Refaz ficção e documentário como
artista inquieto, incita a dúvida e põe em xeque o poder das imagens.
Na odisseia pelas
estradas da América, propõe um balanço das utopias no calor das discussões dos
movimentos estudantis, em cortes rápidos, cabelos, cigarros, palavras de ordem
e confronto de ideias. No embate, o equilíbrio distante entre teoria e prática,
o confronto com a força policial, a dispersão inevitável com perdas e
derramamento de sangue, com direito a participação de Katherine Cleaver, dos
Panteras Negras, e radicais desqualificando militantes na sempre agônica guerra
de ideias e ideais.
Do outro lado, a
especulação imobiliária em negócios faraônicos, a publicidade das coisas (os
bonecos como representação dos humanos), o investimento em segurança e outdoors
com ilustrações de porcos e vacas ao som de ruídos que acompanham o movimento
de Mark, que compra armas de fogo com a facilidade legalista que “naturaliza” o
comércio armamentista em vários estados americanos.
Na oposição entre o ideal
revolucionário e o hedonismo da cultura hippie, Antonioni promove o encontro de
Mark e Daria no Ponto Zabriskie, localizado no Vale
da Morte, na Califórnia. É nesta sequência que
Antonioni oferece um dos momentos mais belos da história do cinema moderno,
abrindo espaço para a digressão dos personagens, numa pausa para a celebração
de paz e amor sobre pequenas nuvens de gesso que cobrem os corpos em jogos
sensuais. É a revolução do amor livre, dos corpos em movimento no ideal de
revolucionar sem violência, no delírio que alcança o sublime na fotografia de
Alfio Contini e o grupo de atores do Open Theatre.
Assim como Bernardo Bertolucci
(em “O Céu que nos Protege”) e Anthony Minghella (em “O Paciente Inglês”), o
deserto para Antonioni é a possibilidade de ir além da propaganda enganosa dos
produtos desnecessários e do soterramento de imagens que pouco ou nada dizem quando
o assunto é cinema. Aqui, o deserto aparece como a possibilidade de novas
motivações, sejam cromáticas ou existenciais.
O final antológico ao som
de “Come in Number 51 (Your Time Is
Up)”, da banda Pink Floyd, traz para a tela o som poderoso de uma das melhores
bandas do rock psicodélico e progressivo. No resort construído sobre grandes
pedras, onde os burocratas da especulação tramam novas agressões ao meio
ambiente em favor do capital pelo capital, o cinema de Antonioni provoca o
espectador com a mesma verve da inquietude e um certo ceticismo antes anunciado
em “O Estrangeiro”, de Luchino Visconti; e “Sem Destino”, de Dennis Hopper.
“Zabriskie Point” é um filme para assistir pela primeira vez ou rever
sempre, pois o que fica é a capacidade da obra de arte em continuar
contemporânea, para deleite dos cinéfilos e novas correlações para os dias de
hoje.
O filme será exibido nesta segunda, 30 de janeiro, às 7 da noite, no
Cine Clube Alexandrino Moreira (Casa das Artes), numa realização da ACCPA. A
entrada é franca, com debate após a exibição do filme.