domingo, 15 de novembro de 2015

NUMA ESCOLA EM HAVANA



A primeira sequencia do filme de Ernesto Serrano Daranas repercute uma visão simbólica do que será dado a conhecer sobre a situação diária de muitas crianças que transitam nas escolas entre a violência, a pobreza e, desta, a ausência de valores: uma pomba que espera levantar voo sendo dificultada a fazê-lo nesse ato. “Numa Escola em Havana” (Conducta, 2014, Cuba, 100min.) expõe a dura realidade de crianças, especialmente na idade de Armando Valdes Freire, 11 anos, que atuou brilhantemente no filme ao lado de outros meninos e meninas e que personaliza Chala, filho de mãe (Yuliet Cruz) viciada em drogas e ajudando nas despesas de casa vendendo pombos e criando cães de briga para uma prática clandestina de enfrentamento em rinhas. Rebelde com causa o menino é simpático à velha mestra Carmela (Alina Rodriguez) sua professora, tendo atitudes de convivência mais humana. À beira de aposentadoria e vitima de um enfarte, ela é quem luta para manter o menino na escola, pois a direção prefere manda-lo para um colégio de conduta, ou seja, o equivalente, no Brasil a um reformatório. Dentre os amigos de Chala está a garota Yeni (Amaly Junco) também com sérios problemas familiares. O filme não pretende avaliar a educação em específico, com o eixo determinante do enfoque considerando dois tipos de tratamento pela escola, a formal e a dinâmica processual quando está em jogo a relevância dos comportamentos levando em conta a vivência total do aluno e não atitudes esporádicas. É de reconhecimento mundial a qualidade do ensino em Cuba, sendo considerado pela ONU como o único país latino-americano a cumprir a meta do Programa Educação Para Todos (EPT). Compara-se, ainda, ao sistema educacional de países como a Finlândia e a França onde a profissão de educador é tratada com grande atenção.
O filme valoriza-se por dar atenção aos problemas sociais e emblemas burocráticos que as crianças cubanas enfrentam, observando-se, também, entre as brasileiras. O enfoque do diretor e roteirista Ernesto Daranas é primoroso não só na abordagem de um fato social dramático como na construção cinematográfica, numa fotografia expressiva de Alejandro Perez (com 10 títulos no currículo) que usa primordialmente a luz ambiente (filmagem durante o dia), fato que procede a uma profundidade de campo a realçar os espaços filmados (nada de construção em set) contrapondo o comportamento de um vasto elenco, especialmente a atuação dos pequenos alunos de Carmela, meninos e meninas com uma expressividade a sugerir a impressão de um documentário. O filme não quer ser um quadro politico e não sugeriu censura do governo Fidel Castro. A preocupação intrínseca é sobre a origem dos problemas sociais acarretando evidencias de marginalização e violência se algumas atitudes formais vierem a se constituir em exclusão como é o caso de Chala que embora expresse agressividade revidando agressões que ele e seus colegas sofrem dos outros é o responsável pela sua família reduzida à mãe que precisa de atenção e de quem coloque o alimento dentro de casa. Mas esse aspecto só é contornado por Carmela que conhece os meandros da potencialidade escolar e de afetos do garoto e investe nisso para acalmar a burocracia da escola seguidora das frias leis que determinam o formato dos comportamentos. Carmela também conhece o drama de Yeni cujo problema familiar é mais grave porque deveria ser matriculada em uma outra escola haja vista que não pertence ao distrito da que frequenta, mas onde o seu pai arranjou emprego. A velha professora enfrenta o Estado representado pela “especialista municipal” Raquel (Silvia Áquila) que está segura de suas atitudes e convicta de que a solução para os dois casos é formal e não de avaliação social. Dai porque ao repreender a atitude da velha mestra Carmela diz-lhe que ela já está há muito tempo em sala de aula e precisa se aposentar, com a educadora retrucando: “E quem governa esse país, também acha que está há tempo demais?”.
Há momentos em que Daranas sintetiza o drama de seu pequeno personagem. O momento em que ele vê retirarem o seu cão de estimação morto na arena de luta entre cães. O roteiro exige muito do pequeno interprete. Há planos próximos dele contendo as lagrimas ao falar com a professora. Como também na ajuda à colega que ama, e ao amigo cujo pai foi preso por questões políticas. Esta aproximação da câmera se dá, também, sobre Carmela/Alina Rodriguez, exigindo da atriz expressões indicativas de sofrimento físico e moral. O bairro pobre de Havana é percorrido também por essa câmera sem que se abuse da filmagem manual. A moda de usar câmeras leves e exigir com isso a ideia de que se grava a realidade é contida por uma direção que soube o que quis e fez. Nós, de Belém, praticamente desconhecemos o cinema cubano. E somente no circuito alternativo ele tem vez. E olhem que nesse país há uma escola de cinema das mais importantes da América Latina e por que não dizer, também, do plano mundial. Filme imperdível. (Luzia Álvares)

A ESCOLA RUSSA DE CINEMA E A CULTURA DOS NOVOS TEMPOS



É praxe uma crítica desinformada na sociedade ocidental deixar de lado os pontos fundantes do cinema russo, um dos mais importantes e mais antigos da História. É praxe, também, tratar das técnicas da montagem e da teoria estética da linguagem do cinema, reconhecendo a importância de dois cineastas-autores (chamo assim) russos que marcaram a revolução nessa arte, Serguei Eisenstein e Dsiga Vertov responsáveis por inscreverem mudanças nos padrões instituídos pelos demais cinemas já circulando mundialmente e que trouxeram marcantes posições. O estudioso dessa arte não pode restringi-los no processo geral da formação da linguagem tão somente porque incorreria em uma negação do que realmente representou, para a história da formação da cultura política, a presença do cinema de massas que vem ao lado da revolução russa. O cinéfilo e o público em geral (até mesmo para mudar a desinformação) devem saber que após a Revolução de 1917 houve uma preocupação dos líderes revolucionários bolcheviques no poder, como Lênin e seus companheiros, em criar na cultura do status quo, outros meios que trouxessem a revolução das ideias do povo soviético intentando reverter o que até ali estava sendo visto como arte de um modo geral, quando outras cinematografias dominavam a circulação de seus meios culturais. Reformular isso e dar ciência do que estava ocorrendo entre a população explorada foi um dos passos principais para instruir a revolução cultural e escancarar a situação social que empobrecia e explorava economicamente aquele povo.
O cinema estava nesse meio (é necessário conhecer as bases da doutrina marxista para reconhecer a tese e antítese que dariam forma à síntese dessa nova previsão para a cultura e a arte). Dessa forma, Lênin procura reunir um grupo principal de realizadores colocando em suas mãos a invenção de nova maneira de “fazer cinema” criando meios a serem reconhecidos pela população sobre o antes tzarista e o hoje bolchevique, em torno da exploração e a pobreza e a provável mudança de hábitos na economia considerando a necessidade do coletivismo para avançar em novos planejamentos para a agricultura e a vivência digna naquela sociedade. Dessa forma, após a Revolução de Outubro de 1917 há grande incentivo às produções cinematográficas com vistas na propaganda ideológica, valorizando-se e exaltando a força do povo em reerguer-se das trevas czaristas, produções que eram financiadas pelo Estado. É preciso entender que a Rússia com a Primeira Grande Guerra, estava sufocada por uma massa de operários e camponeses sobrevivendo de forma degradante de trabalhos pesados e baixos salários, além de um governo opressivo. Com isso, levantam-se intelectuais e os populares e tomam o poder com a renúncia do czar [cf. primeiro a Revolução de fevereiro – março pelo calendário ocidental que derrubou o governo do czar Nicolau II e intentou estabelecer a república liberal; e a Revolução de Outubro – novembro -1917, com o partido bolchevique derrubando o Governo Provisório e instalando o governo socialista soviético]. Assim, ao reorganizar-se a cultura, o cinema é pensado por Lênin como um importante instrumento para levar a essa população o reconhecimento de suas mazelas e o que poderia usufruir com a mudança radical da economia. Cria o Comissariado de Educação que para ele, de todas as artes o cinema é a mais importante naquele momento para refletir a atualidade soviética, e chama alguns diretores para realizar filmes de propaganda ou, no meu entender, panfletos visuais, que possam mostrar com maior ênfase aquela realidade. Kuleshov (considerado o primeiro teórico a buscar uma estética da montagem, tendo ensinado na primeira escola de cinema de Moscou) e seus pupilos Einsenstein, Parajanov, Kalotosov, Pudovikine, Alesandrov começam a trabalhar a imagem dessa realidade subvertendo a fantasia que circulava com os filmes norte-americanos e dai, organizam o novo cinema soviético.
Neste extenso preâmbulo, meu interesse é levar ao público espectador que está participando da MOSTRA MOSFILME 90 ANOS uma perspectiva divorciada de questões ideológicas que julgam esses primeiros filmes dessa escola como um tipo de propaganda comunista, sem peso de uma inovadora narrativa formal que engatinha e será celebrada com outros elementos de uma linguagem que marcará a história do cinema. O filme “O Velho e o Novo” (URSS, 1929, 120 min., documentário) tem a direção de Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov. Esta obra confronta o novo espírito do campesinato na recente URSS e as novidades que se revelam para a modificação dos antigos padrões da agricultura. No enfoque vê-se a instalação de uma desnatadeira e um trator que procuram estabelecer as novas ideias quebrando o já estabelecido. Diz a Dra. Nanci de Freitas , Doutora em Teatro pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, e Professora do Departamento de Linguagens Artísticas do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no excelente texto O velho e o novo: tensão entre experimentação artística no cinema de Eisenstein e as demandas ideológicas soviéticas: “A linha geral/O velho e o novo”, de 1929, trata das condições de trabalho numa fazenda comunitária, na União Soviética, em sua luta para a modernização dos meios de produção. A construção da sintaxe dramatúrgica do filme revela a tensão entre a experimentação estética de Eisenstein, com a montagem fragmentária, no auge do “cinema intelectual”, e a abordagem de conteúdos ideológicos, em composição baseada no princípio unificador e na totalidade dos significados da obra, sob a égide da censura do regime stalinista.” (p. 26. http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF22/freitas.pdf ) (...) Não é uma obra que obedece a uma doutrinação externa - também um meio de mostrar uma realidade existente – mas principalmente para criar o olhar do novo num cenário estrutural que procura mudar as relações de poder. E as imagens do filme são contundentes para mostrar, primeiro a miséria, em seguida os aspectos renovadores, depois a burocracia e a crítica aos poucos sendo dispensada para os que não reconhecem o meio de trabalho coletivo. Ainda do texto de Nanci de Freitas este excerto revela o aspecto da trama do filme e a contribuição de Einsestei ao programa da contracultura czarista: “O cineasta produziria, então, o filme A linha geral (em colaboração com Grigori Aleksandrov), apresentando, pela primeira vez, um enredo ficcional, conduzido por uma personagem individualizada. O filme é concebido a partir do olhar e dos sonhos de prosperidade da camponesa Marfa Lapkina, que assume a luta pela organização comunitária do trabalho e pelo acesso aos bens de produção tecnológica.
É significativa a presença de uma mulher à frente dos trabalhos de uma cooperativa agrícola comunista, por representar, dialeticamente, o processo de superação do Estado patriarcal capitalista, apontando para uma forma de organização mais generosa e fraterna, que faz lembrar as antigas gens matriarcais, ligadas aos mitos da fertilidade da terra e da agricultura.” A ênfase na figura feminina, no filme, é simbólica e, aquela altura desenvolve uma assertiva tenaz de fortalecer a relação da mulher-terra, mulher-mudança, mulher-confiança. Os demais filmes dessa excelente Mostra Mosfilme 90 Anos devem ser vistos acompanhando-se não só o contexto histórico, mas o que deixaram de recriações e invenções para a relação entre imagens e ideias da sociedade.(Luzia Álvares).

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

MOSTRA "MOSFILM 90 ANOS" NO CINEMA OLYMPIA



A Mostra “Mosfilm 90 anos” foi inicialmente realizada em novembro de 2014 na Cinemateca Brasileira em São Paulo e finalmente chega a Belém através do cinema Olympia. A mostra traz oito filmes da histórica produtora moscovita, ainda hoje uma das mais ativas da Europa e tem produções de diversas épocas (fases silenciosa e sonora), diferentes estilos e gêneros variados (drama, épico, musical, comédia, documentário), todos assinados por diretores consagrados.
Durante esses 90 anos (1924-2014) foram criados nos estúdios da Mosfilm mais de 2.500 longas metragem de vários cineastas que ajudaram a criar a história do cinema mundial como Sergei Eisenstein, Aleskandr Dovzhenko, VIsevolod Pudovkin, Ivan Pyriev, Grigori Aleksandrov, Mikhail Romm, Gigori Chukhrai, Mikhail Kalatozov, Serguei Bondarchuk, Adrei Tarkovsky, Leonid Gaiday e outros. O Mosfilm ainda hoje é um dos maiores estúdios da Rússia e um dos maiores da Europa, contando com cidades cenográficas e equipamentos de alta tecnologia que lhe permitem realizar o ciclo de produção do cinema em sua totalidade.
Confira a programação completa da mostra que tem entrada franca numa parceria do Cinema Olympia, CPC-UMES, ACCPA(Associação de Críticos de Cinema do Para), UFPA e PROINTER (Pró-reitoria de Relações Internacionais da UFPA)

Dia 12 - 18:30 h
O Velho e o Novo Direção: Sergei Eisenstein/Grigori Aleksandrov O mais aclamado dos cineastas soviéticos toma como pano de fundo a coletivização da agricultura para contar como a chegada de uma desnatadeira e um trator podem modificar antigos e tradicionais padrões de pensamento.

Dia 13 - 18:30 h
Lenin em Outubro Direção: Mikhail Romm Dez anos depois do "Outubro", de Eisenstein, onde o protagonista são as massas trabalhadoras, Romm aceita o desafio de individualizar e dar vida à figura de Lenin.

Dia 14 - 16:00 h
Às Seis da Tarde Depois da Guerra Direção: Ivan Pyryev Musical sobre a saga de dois amantes que, separados pela guerra, prometem reencontrar-se no Dia da Vitória. De 1929 a 1969, Pyriev dirigiu 18 filmes, entre os quais "Tratoristas" (1939) e "Cossacos de Kuban" (1949).

Dia 14 - 18:30 h
"Primavera". Quinta comédia musical estrelada por Liubov Orlova sob a direção de Aleksandrov, cineasta que assina com Eisenstein a direção de "Encouraçado Potemkin" (1925), "Outubro" (1928), "O Velho e o Novo" (1929), "Que Viva México" (1932). A história se passa nos primeiros anos da reconstrução da URSS, após a 2ª Guerra Mundial.

Dia 15 - 16:00 h
“O Retorno de Vassily Bortnikov”(foto). Direção: Vselvolod Pudovkin.Dado como desaparecido na guerra, Vassily Bortnikov regressa ao lar e encontra a mulher casada com outro.
Último filme do lendário diretor dos clássicos "A Mãe" (1926) e "Tempestade Sobre a Ásia" (1928).

Dia 15 - 18:30 h
“O Fascismo de Todos os Dias”.Narrado pelo próprio diretor, que pôs a alma nesse projeto rico em inovações formais, "O Fascismo de Todos os Dias" é, ainda hoje, considerado por muitos como o mais profundo, completo e impactante documentário produzido sobre o tema.

Dia 17 - 17:30 h
“A Mãe”. Direção: Gleb Panfilov .Egresso do VGIK, onde também se formaram Klimov, Tarkovsky, Chukhrai e outros expoentes da sua geração, Panfilov realiza, após Pudovkin (1926), Leonid Lukov (1941) e Mark Donskói (1956), a quarta filmagem do célebre romance de Maksim Gorky.

Dia 18 - 18:30 h
“Tigre Branco”(foto).Direção: Karen Shakhnazarov. O diretor mescla filosofia e mistério nesta batalha fantástica entre o tanquista Naydenov e um “tanque fantasma” alemão, nos dias finais da 2ª Guerra Mundial. Indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (2012), prêmio de Melhor Diretor no 9º Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre.

"A DOCE VIDA": FELLINI E A DESCRENÇA



Roma do final dos anos 50. Numa primeira sequencia “A Doce Vida” capta a estátua de Jesus Cristo suspensa por um helicóptero sobrevoando a cidade de Roma, sendo levada para o Vaticano. Jovens que tomam banho de sol no alto de um prédio acenam para o que veem como um espetáculo fora do comum. Em outra sequencia observa-se uma concorrida apresentação de uma menina que “fala com Nossa Senhora”. Muita gente quer ver de perto a “santinha” como uma nova Bernadette de Soubirous (Lourdes-França). Estes fatos são presenciados por um jornalista que se mostra cada vez mais cético: Marcello Rubini (Marcello Mastroianni). Neste que é seu “alter ego” Federico Fellini representa a sua versão de Roma quando já deixara o jornalismo e se envolvera com o cinema. É o retrato em cinemascope de um desencanto. Não só de uma apreciação de fatos que alimentam a descrença (não só em termos de religião), mas a ideia de que a capital italiana reprisa a sua performance do tempo dos Césares. “A Doce Vida” (La Dolce Vita, Italia, 1960) é um filme capital na filmografia de um dos mais aclamados diretores da cinematografia em qualquer época. Ele deixava a linguagem linear e a compaixão que envolvia suas carismáticas heroínas Gelsomina e Cabíria, como dava uma outra forma aos distantes “vitellonis” que circulavam na noite de Rimini sua terra natal, em “Os Boas-Vidas” (1953). Através de seu Marcello (personagem a interprete) Fellini vê um novo contexto alimentado pelo crescimento da economia e a reconstrução da Itália após o imediato pós-guerra (o conflito terminara em 1945) com os aliados prevendo a formação de um polo eficiente para o combate à ideologia comunista entre os países europeus. Esse foi um momento em que a economia italiana floresceu suscitando um tempo de demandas por maiores benefícios para a população rural – que migrava para a cidade – e a população urbana alimentando-se das melhorias que foram acontecendo no período. Cresce a classe média trazendo a efervescência cultural com evidencia das artes, em especial, o cinema, com a Itália se tornando um polo de circulação de astros e estrelas internacionais. Fellini foi um dos beneficiados, visto que àquela altura já fora agraciado com dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (“La Strada”, 1954; e “Noites de Cabíria”, 1957) tendo se tornado, então, um dos nomes de cinema dos mais celebrados. E a pulsão pelo momento que vive fortalece seu interesse em captar o modo como estava vivendo aquele grupo entre os quais se vê incluído. Não sem motivo seu alter-ego é um tipo chamado Marcelo que percorre espaços diversos, convive com figuras de uma sociedade que está com seus valores em decadência. Vive momentos de prazer efêmero, aspirando ser feliz.
O roteiro de “La Dolce Vita”, elaborado pelo próprio Fellini teve o auxilio de Brunelo Rondi, Tullio Pinelli, Ennio Flaiano e, embora sem referência nos créditos, Pier Paolo Pasolini. A estrutura narrativa construída em episódios deixa mais frouxa a composição dos elementos que irão circular em toda a extensão do filme, acronológicos, sem nexo causal, usando Marcelo como narrador/observador participante/corifeu dessa sociedade por onde circula de carro, sendo perseguido por Paparazzo (Walter Santesso), o fotógrafo que o acompanha registrando a presença de celebridades (é o tempo delas) na re-novação de um ambiente preparado para recebe-las. Maddalena(Anouk Aimée) e Emma (Yvonne Forneaux) são as peças-chave de seu envolvimento afetivo. Mas há outras e outros personagens que são introduzidos pelos bastidores, aproveitando-se das entrevistas que coordena entre os quais com pseudo-intelectuais, em busca de definir o que é a felicidade. Da presença da Igreja ao papel do Estado definindo valores e atitudes na sociedade emerge a crítica de Fellini a esse mundo que visita incorporado por Marcello. Há momentos marcantes em “La Dolce Vita”. O banho da estrela norte-americana (a sueca Anita Ekberg) na Fonte de Trevi é um deles. Mas o que me ficou na época em que assisti ao filme pela primeira vez foi a presença de Steiner (Alain Cuny), filosofo que mata a família e se mata demonstrando sua descrença nos valores humanos.
 O filme termina com uma alegórica visão de um pré-final da sociedade com pessoas saídas de uma festa percorrendo a praia e a presença de um estranho peixe (leviatã?). Nesse momento, Marcello vê uma jovem chamando por ele. Mas não a escuta e prossegue andando com os demais festeiros. Sinal de um pessimismo que alguns críticos viram então, na verdade, o endosso de todo o trabalho, um painel de uma cidade e classe social num determinado tempo, de florescimento e de delírios.(Luzia Álvares).

"A DOCE VIDA" EM DIGITAL



“A Doce Vida”(La Dolce Vita)passou em Belém no finado Cine Palácio. Era o carro-chefe da produção da Art Filmes na ocasião. Mas afugentava o grande publico na opção por fatos e não por uma historia. Quem tinha visto “Os Boas Vidas”(I Vitteloni) e os filmes que Fellini fez com Giulietta Masina estranhava o painel da sociedade europeia nos anos 50, quando, num dos últimos planos, uma pessoa fala do futuro, 1959, dizendo que ali estará mais confuso o modo de vida dos citadinos. Isto depois de uma festa com ares de orgia romana (antiga). . Mudando de estilo o cineasta faz um painel de um tempo de mudanças. Já não impressiona uma “Miss Sereia ”gravida (em “Os Boas Vidas”). Nem a tentativa de reanimar Cabiria com os jovens cantando em seu redor. Fica o escritor que mata a família e se mata. E já no começo de quase 3 horas de projeção uma revoada da imagem de Cristo com as pessoas acenando como se fosse uma curiosidade alada.
 O desencanto é a tônica de “La Dolce Vita”. Fellini aproxima seus tipos dos que veria em Roma antiga na sua versão de “Satyricon”. São figuras que se enaltecem com o fugaz, desprezando as coisas de espirito. Na festa que encerra a ronda do jornalista (Mastroianni) pela Roma moderna há um vazio que se espelha na iluminação e no enquadramento do cinemascope. O filme fez sucesso. Especialmente na Itália. O banho de Anita Ekberg na Fonte de Trevi ganhou lugar entre as sequencias emblemáticas do cinema em geral. E a fonte ficou mais conhecida pelo mergulho da loura sueca (morta este ano aos 83). Rever o filme hoje é como ter contato com a Historia. Não só do cinema. Fellini estaria no cenário com o seu posterior “8 e Meio”. E depois desta visão apocalíptica da sociedade romana ele nunca mais visitou a seara de Gelsomina ou Cabiria . Reprise no Cine Libero Luxardo em cópia digital.(Pedro Veriano)

"ALIANÇA DO CRIME"



John Connoly (Joel Edgerton) e James "Whitey" Bulger (Johnny Depp)foram meninos travessos das ruas de Boston dos anos 50. Por volta dos anos 70 eles se reencontraram. Connolly passou a ser um nome de proa do FBI local e Whitney virou protetor da máfia irlandesa. O conhecimento do mafioso com o figurão da politica e da agencia de investigações leva a um plano de sabotar a máfia italiana. Isso é tratado oficialmente pela agencia de governo e Connoly aproveita para, através desse prestigio, enveredar por outras facetas do mundo do crime. Segundo se diz o FBI sabia das articulações do bandido mas virava as costas. O objetivo era acabar com os mafiosos da Itália e paralelamente proteger o “ajudante”. O filme dirigido por Scott Cooper baseia-se na historia real de James Bulger por sua vez tratada em livro de Dick Lehr e Grerard O’Neill, afinal transformado em roteiro de cinema por Mark Molluck e Jezz Butterworth. Nessas transposições fatalmente esvaziou-se a realidade. E por isso não se pense no filme como um docudrama. É ficção e como tal cumpre o seu trabalho, lembrando (e isso é elogio) os filmes de gangster dos anos 30 com James Cagney e Humphrey Bogart com diretores do nível de Michael Curtiz e Raoul Walsh.
Na comparação com os velhos bandidos “Aliança do Crime”(Black Mass) perde feio. Mas a liberdade de expressão serve para mostrar o que a Warner queria no passado e a censura castrava. Havia o chamado “Codigo Hays,vindo do politico protestante William H. Hays, processo que não permitia certas incursões em terrenos tabus e chegava até mesmo a não mostrar sangue quando as pessoas eram atingidas por balas. Livre dessas amarras ridículas o novo filme exibe crueldade hipertrofiada e apesar de claudicar no ritmo(muito lento para uma peça de ação intensa) é capaz de dar uma ideia de como agiam os mafiosos e parceiros na sociedade hipócrita de um passado recente. Mas o interesse maior do filme, ou o que a Warner vende, é o trabalho de Johnny Depp. Eu não conheci o cara debaixo de uma maquilagem que lhe deu bochechas e alongou a face. Se não lesse o nome dele nos créditos não conheceria o interprete de “Edward Mãos de Tesoura” e outros filmes de Tim Burton .E por sinal que há quem esteja pensando em Depp para o próximo Oscar, Se Leonardo di Capri deixar...(Pedro Veriano)

SPECTRE


“007 Contra Spectre” começa com a formula de uma sequencia de ação.Agora é no México, numa festa de Finados (traço folclórico de lá)quando James Bond persegue um vilão. Não se tem informações de quem é o perseguido. 007 pula de telhados, cai de alturas gigantescas e ainda ataca de helicóptero. Esta sequencia como a dos outros filmes da série, dura aproximadamente 10 minutos. Mas não está só. Há outras perseguições homéricas no roteiro e Daniel Craig dá trabalho para o seu (ou os seus) dublê(s). O novo filme com o personagem criado por Ian Fleming aposta firme na bilheteria. Afinal,o anterior, “Skyfall”, deu 1 bi no mundo. Sam Mendes, o diretor, ri para as paredes. Mas os roteiristas começam a mostrar preguiça. Não há qualquer liame de logica na pintura do vilão interpretado pelo excelente Christoph Waltz.
Nada de mais se durante a narrativa o “non sense”é abusado ao extremo. Cito um exemplo: a mocinha Lea Seydoux(Madeleine)muda de roupa como se estivesse num desfile de modas.Onde ela carrega a indumentária ninguém sabe. E nem se pense num avião que aterrissa em cima de arvores e praticamente vira carro atrás dos vilões. Fleming trabalhou durante a 2ªguerra no serviço de informações e criou um tipo que sintetizava suas experiências com o adendo da guerra fria.O cinema moldou o herói daí em diante. O autor morreu há 51 anos e hoje a produção que ainda tem assinatura de Albert Broccoli morto em 1996 aos 87 mas a bola é de sua filha Barbara (55).
 Quem escreve é a equipe do anterior “Sykyfall”:Neal Purvis,John Logan, Robert Wade e agora mais Jez Butterworld. Claro que o roteiro é o que pediu a produção da MGM & Columbia(007 era da finada United Artista que a MGM comprou e hoje nem é citada). Este processo administrativo é a base da coisa. Não vale a pena esmiuçar estética e dizer que a edição é eximia, que a musica é descritiva, que a iluminação é boa e que Waltz, pelo menos, tem bom desempenho. Tudo segue um figurino. O que se precisa saber é até que ponto as plateias vão aplaudir mesmices. Na minha sala pessoas saiam no meio de projeção(longa demais). Enfim, é melhor (re)ver um 007 do que procurar ouro na mina da Marvel.(Pedro Veriano)

"NUMA ESCOLA EM HAVANA"



“Numa Escola em Havana”(Conducta) segue as lições do neorrealismo . Isto nunca foi demérito. Na Itália do pós-guerra, sem estúdios e com aparato técnico sofrível, os cineastas iam às ruas, contratavam artistas amadores, e filmavam o que lhes parecia a realidade. Foi assim que Lamberto Maggiorani(morto aos 73 anos em 1983) fez o operário a quem roubavam a bicicleta (a mim o ícone do movimento deflagrado por Rosselini, Visconti e o próprio De Sica, autor deste “Ladri di Biciclette”). Para contar a historia de Chala, menino de 11 anos filho de mãe drogada e aluno rebelde de uma escola onde uma velha mestra passa seus últimos anos de profissão, o diretor-roteirista Ernesto Daranas usa um jovem que espelha o que se pede, Armando V.Freire. O menino estreava em cinema. E comportava-se como um veterano. Lembra o Enzo Staiola de De Sica, também estreante. A câmera exige muito do garoto. Perseguindo-o pelas ruas de um bairro pobre não se contenta em focaliza-lo em largos e médios planos. Há closes. E se sabe que nesse tipo de tomada há um hiato, com a exigência de que o artista ria ou chora adiante da objetiva. Não é mole. E há uma senhora interprete, Alina Rordiguez, que faz a mestra Carmella, protetora do menino. Por sinal que ela, uma enfartada no papel, morreu este ano. Faz uma bonita despedida na idosa que lutava para antes de se aposentar (ou “a aposentarem”) dar um rumo à vida de uma criança que fora da sala de aula vendia pombos, via cachorros em luta numa rinha patrocinada pelo amante da mãe(seu pai ?) e tentava namorar uma colega que também sofria problemas familiares.
O peso censório de governo não democrático podia ser observado com a censura a uma imagem de santo colocada no mural da escola. Mas há devotos na igreja local. O caso do “santinho” serve apenas para evocar o papel de Carmella,que mesmo assim, mesmo recolocando a estampa no quadro quando uma aluna (a namoradinha de Chala) havia tirado pensando em dar-lhe boas graças da diretora que a detestava, tem atitudes que refletem um temperamento sensível às necessidades da garotada a quem ensina. A Havana do filme está longe de imagens pitorescas que o cinema divulgou anos a fio, do folclórico “Guys and Dolls” onde Marlon Brando chegava a cantar e aquele propagandístico “Yo Soy Cuba” de Mikhail Kalatazov. Um bom filme. Milagre cegar à uma tela grande local. (Pedro Veriano)

“KAGEMUSHA” DE KUROSAWA É LANÇADO EM EDIÇÃO ESPECIAL



 Akira Kurosawa (1910-1998) é um dos maiores cineastas do cinema. Com longa carreira e títulos excepcionais como “Viver” (1951) e “Os Sete Samurais”(1957), Kurosawa viveu distintos momentos na sua trajetória. Além de ser criticado no Japão por ser o mais ocidental dos diretores japoneses (graças à influência do cinema americano), ele enfrentou um grave momento quando lançou “Dodeskaden” em 1970. Este filme (que registrava com sensibilidade a situação de pobreza que o Japão vivia no final dos anos 60) foi um grande fracasso de público (e sucesso de crítica) e com o risco de não conseguir mais financiamento para suas produções, entre outras razões, ele entrou em forte depressão e tentou o suicídio. Felizmente, Kurosawa sobreviveu e, anos depois, foi convidado pelo estúdio Mosfilm (da União Soviética) para dirigir e roteirizar “Derzu Uzala”, uma de suas maiores obras-primas. Com a repercussão positiva de “Derzu Uzala” (que ganhou o “Oscar” de melhor filme estrangeiro em 1976), Kurosawa desenvolveu um projeto que teria novamente a parceria da Toho Filmes, grande produtora japonesa. O ambicioso projeto era “Kagemusha :A Sombra do Samurai”(1980). O filme exigia uma produção de alto investimento e teve colaboração na produção executiva dos diretores americanos George Lucas e Francis Coppola, fãs do diretor e que na época tinha forte influência sobre os estúdios americanos.
A história do filme acontece durante o Japão medieval quando um importante lorde falece em meio à violenta guerra. Como era comum o uso de sósias dos líderes dos clãs como estratégia de guerra, um sósia é usado para substituí-lo e enganar os inimigos e manter o clã de forma intensa e combativa. O sósia, um pobre ladrão, tem que se adaptar as regras do poder para manter o domínio do clã sobre seus inimigos, mas a tarefa é difícil pois ele tem que seguir todo o comportamento do líder morto e reprimir seus sentimentos e reações. É através deste personagem, interpretado com maestria por Tatsuya Nakadai (que trabalhou como protagonista em “Ran” que Kurosawa realizou anos depois) que somos testemunhas da luta pelo poder entre os senhores da guerra. Kurosawa demonstra a falta de humanidade de personagens tão egocêntricos que ao pensar na guerra, não entendem o significado da paz. O personagem mais humano é exatamente o sósia que tem que exercer o poder de líder e por isso, muitas vezes, ele não entende o que deve fazer. Essa dualidade entre um homem e sua sombra (sósia) surge como uma metáfora do diretor nas relações de poder que surgem em diversos períodos da humanidade e que transformam o ser humano em algo que nem ele sabe reconhecer. Este tema foi abordado pelo diretor em diversos filmes como “Ran”(1985), aqui inspirado em Shakespeare e provoca inúmeras reflexões sem estereótipos e tendências políticas e/ou culturais que envolvem o período que a história se passa (século XVI). Ser ou não ser aqui, não é a única questão. Para quer ser e como lidar com esta descoberta, sim, este é o grande desafio do sósia (sombra) que é o protagonista do filme. “
Kagemusha”, além de sua temática envolvente, impressiona desde sua primeira cena. Kurosawa filma com um intimismo arrebatador. A cena inicial quando o líder do clã conhece seu sósia é magistralmente bem filmada com uma mistura de teatro (atuação) e cinema (enquadramento) que causam estranheza e posteriormente aproximação do espectador. O filme tem várias sequências que se apresentam dessa forma: cinema e teatro. Mas acima de tudo, “Kagemusha” é cinema. Cada enquadramento, cada cena montada, cada diálogo, cada utilização de som, cor e música revela um diretor que pensou/sentiu o que queria dizer e como queria dizer. A narrativa do filme é construída de forma a evidenciar todos os elementos da linguagem cinematográfica que convergem para cenas antológicas onde percebemos a mão/coração de um diretor talentoso.
 “Kagemusha” é um filme para se ver/rever e lembrar-se da força do cinema como arte de construção de ideias e reflexões que devem ir além. É uma aula de cinema que merece ser conhecida especialmente nesta versão em DVD com três horas de duração (versão do diretor) e extras que revelam diversas histórias de uma produção magistral. Nos extras do DVD, destaque para o filme “A Vingança de um Samurai” com roteiro de Kurosawa, making of (41 minutos), storyboards (43 minutos), trailers e comerciais exibidos na época do lançamento do filme e o especial “Lucas, Coppola e Kurosawa”. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1980, “Kagemusha” é um clássico e certamente um dos melhores filmes de Akira Kurosawa, um dos mestres da sétima arte.(Marco Antonio Moreira)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Programação Cineclube da ACCPA - Novembro/2015

Programação Cineclube da ACCPA - Novembro/2015 


Cineclube Alexandrino Moreira (Casa das Artes) - 19 h*
Dia 09 - "Édipo Rei" (1967) - Homenagem ao diretor Pier Paolo Pasolini
Dia 23 - "A Hora do Lobo" (1967) de Ingmar Bergman


Sessão Cult (Cine Líbero Luxardo) - 14:30 h*
Dia 07 - "2001 : Uma Odisseia no Espaço"(1968) de Stanley Kubrick (à pedidos)


Cineclube da Casa da Linguagem - 18 h*
Dia 26 - "A Máquina do Tempo" (1960)


Cine FIBRA - 19 h
Dia 28 - "Macunaíma"(1969) - Homenagem ao ator Grande Otelo

Entrada Franca
*Debate após a exibição

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