quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

TARANTINO E O CINEMA DA RECICLAGEM

 O chamado western spaghetti, subgênero cinematográfico muito popular nos anos 60, era uma forma de cinema bem sucedido comercialmente a partir dos sucessos do gênero western produzido nos Estados Unidos. Sérgio Leone é um dos seus maiores expoentes, tendo assinado obras importantes como “Três homens em conflito”, “Era uma vez no oeste” e “Por um punhado de dólares”. E o western, que serviu de base para sua releitura denominada pejorativamente de spaghetti, é considerado um gênero cinematográfico tipicamente americano, com suas paisagens em grandes planos gerais, aridez, personagens míticos, duelos e sede de vingança; elementos presentes em filmes de Sam Peckinpah, Robert Aldrich, John Ford, Fred Zinnemann, Clint Eastwood, John Sturges, entre outros.  A reinvenção de um gênero consagrado e que depois de um certo período entrou em franca decadência, encontra em outros realizadores a releitura necessária para a sobrevivência do mesmo, nem sempre merecendo o reconhecimento devido, como é o caso de Michael Cimino em “O portal do paraíso”, e na distorção das regras da narrativa clássica que Robert Altman imprime em “Buffalo Bill and the Indians or Sitting Bull's History Lesson”. Altman e Cimino vão muito além do maniqueísmo entre cowboys e pistoleiros e das cartilhas básicas que ensinam como fazer um bom roteiro. Quando falamos sobre filmes como “O portal do paraíso”, “Os imperdoáveis” ou “Era uma vez no oeste”, temos que necessariamente discorrer sobre o método Cimino de filmar, as escolhas formais de Clint Eastwood e a mise-en-scène de Sergio Leone. Mas quando a proposta é discutir a respeito do novo filme de Quentin Tarantino, “Django livre”, é inevitável a sensação de que o marketing (e a campanha publicitária em torno do lançamento do filme no Brasil e América Latina), praticamente pulverizou a tentativa de discussões maiores sobre o filme, salvo as exceções honrosas, oportunas e suas reflexões.
Se Django, ao final do filme, está livre, Quentin Tarantino continua preso a repetição de padrões narrativos e temáticos que pontuam sua carreira, com o perpétuo tema da vingança (com poucas alterações), excesso de diálogos e uma certa previsibilidade, sempre observada na reviravolta que se instala na segunda metade das narrativas sanguinolentas que invadem a tela, efeito observado a partir do sucesso “Kill Bill” (volumes I e II). Depois do reconhecimento internacional por “Pulp Fiction”, o diretor alcançaria um patamar nunca mais atingido, com o lançamento de “Jackie Brown”, um misto de adaptação literária a partir do romance “Run Punch” (de Elmore Leonard) e um tributo particular aos filmes do gênero blaxploitation dos anos 70.
O conhecimento enciclopédico do diretor, fonte de citações que conferem a ausência de um estilo próprio ou qualquer indício de autoralidade, fica explícito nas alusões aos filmes de artes marciais produzidos em Hong Kong e diretores italianos como Mario Bava, Lucio Fulci e Dario Argento. Um cinema de reciclagens, marcado pela dilatação temporal que se estende até o grand finale, em que a citação pela citação pode se render ao ritmo do vídeo game, aos comics, entre outras referências. Em “Django livre”, as gags não funcionam, as falas excessivas ocultam a falta de imagens em movimento, a bufonaria se entranha no desenvolvimento dos personagens e a tipificação maniqueísta não ultrapassa as velhas premissas de construção de tipos, com exceção do personagem interpretado magistralmente por Samuel L. Jackson. Hoje, vivemos o apogeu da visibilidade dos objetos pseudoculturais, facilmente identificados no kitsch, no popularesco, no entretenimento apelativo, no achatamento da narrativa audiovisual, e por conseguinte, na diminuição da capacidade de imaginação.
Tarantino copia outros cineastas, e se copia, num grande painel de colagens que parece indicar a indisposição para novas propostas cinemáticas, como se nada mais houvesse para ser reinventado ou recriado em um pouco mais de cem anos de história do cinema. Um simples jogo fetichista, de imagens-clichês que podem ser classificadas de revival, de revisitação e toda a ordem de palavras que anunciam o fim recriação cinematográfica, uma crise que pode ser constatada em vários segmentos da indústria cultural e a globalização perversa que importa e exporta produtos duvidosos. Assim, Tarantino supre a demanda do mercado cinematográfico atual com doses cavalares de uma estética violenta por mero entretenimento, que está bem distante do desconforto provocado por filmes recentes e perturbadores como “Precisamos falar sobre Kevin”, da violência onisciente de “Cosmópolis” e da apropriação contemporânea dos elementos do cinema western em “Drive”.
Por fim, os últimos minutos de um filme longo, que pouco acrescenta ao gênero western ou mesmo ao western spaghetti, reiteram o que Tarantino saber fazer melhor: o duelo final do protagonista em várias tomadas, montagem eficiente e aquela violência básica que tenta justificar a assinatura de seus filmes. Por razões mercadológicas, outros diretores americanos contemporâneos ainda não merecem o mesmo aparato de marketing e publicidade orquestrado pelos grandes estúdios quando se trata de um novo Tarantino. Felizmente, sempre teremos acesso (independente do suporte) aos novos trabalhos de Darren Aronofsky, Paul Thomas Anderson, Michael Mann, James Gray, Sophia Coppola e Todd Haynes.(José Augusto Pacheco)

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