O chamado western spaghetti, subgênero cinematográfico muito popular
nos anos 60, era uma forma de cinema bem sucedido comercialmente a
partir dos sucessos do gênero western produzido nos Estados Unidos.
Sérgio Leone é um dos seus maiores expoentes, tendo assinado obras
importantes como “Três homens em conflito”, “Era uma vez no oeste” e
“Por um punhado de dólares”.
E o western, que serviu de base para sua releitura denominada
pejorativamente de spaghetti, é considerado um gênero cinematográfico
tipicamente americano, com suas paisagens em grandes planos gerais,
aridez, personagens míticos, duelos e sede de vingança; elementos
presentes em filmes de Sam Peckinpah, Robert Aldrich, John Ford, Fred
Zinnemann, Clint Eastwood, John Sturges, entre outros. A reinvenção
de um gênero consagrado e que depois de um certo período entrou em
franca decadência, encontra em outros realizadores a releitura
necessária para a sobrevivência do mesmo, nem sempre merecendo o
reconhecimento devido, como é o caso de Michael Cimino em “O portal do
paraíso”, e na distorção das regras da narrativa clássica que Robert
Altman imprime em “Buffalo Bill and the Indians or Sitting Bull's
History Lesson”. Altman e Cimino vão muito além do maniqueísmo entre
cowboys e pistoleiros e das cartilhas básicas que ensinam como fazer
um bom roteiro.
Quando falamos sobre filmes como “O portal do paraíso”, “Os
imperdoáveis” ou “Era uma vez no oeste”, temos que necessariamente
discorrer sobre o método Cimino de filmar, as escolhas formais de
Clint Eastwood e a mise-en-scène de Sergio Leone. Mas quando a
proposta é discutir a respeito do novo filme de Quentin Tarantino,
“Django livre”, é inevitável a sensação de que o marketing (e a
campanha publicitária em torno do lançamento do filme no Brasil e
América Latina), praticamente pulverizou a tentativa de discussões
maiores sobre o filme, salvo as exceções honrosas, oportunas e suas
reflexões.
Se Django, ao final do filme, está livre, Quentin Tarantino continua
preso a repetição de padrões narrativos e temáticos que pontuam sua
carreira, com o perpétuo tema da vingança (com poucas alterações),
excesso de diálogos e uma certa previsibilidade, sempre observada na
reviravolta que se instala na segunda metade das narrativas
sanguinolentas que invadem a tela, efeito observado a partir do
sucesso “Kill Bill” (volumes I e II).
Depois do reconhecimento internacional por “Pulp Fiction”, o diretor
alcançaria um patamar nunca mais atingido, com o lançamento de “Jackie
Brown”, um misto de adaptação literária a partir do romance “Run
Punch” (de Elmore Leonard) e um tributo particular aos filmes do
gênero blaxploitation dos anos 70.
O conhecimento enciclopédico do diretor, fonte de citações que
conferem a ausência de um estilo próprio ou qualquer indício de
autoralidade, fica explícito nas alusões aos filmes de artes marciais
produzidos em Hong Kong e diretores italianos como Mario Bava, Lucio
Fulci e Dario Argento. Um cinema de reciclagens, marcado pela
dilatação temporal que se estende até o grand finale, em que a citação
pela citação pode se render ao ritmo do vídeo game, aos comics, entre
outras referências.
Em “Django livre”, as gags não funcionam, as falas excessivas ocultam
a falta de imagens em movimento, a bufonaria se entranha no
desenvolvimento dos personagens e a tipificação maniqueísta não
ultrapassa as velhas premissas de construção de tipos, com exceção do
personagem interpretado magistralmente por Samuel L. Jackson.
Hoje, vivemos o apogeu da visibilidade dos objetos pseudoculturais,
facilmente identificados no kitsch, no popularesco, no entretenimento
apelativo, no achatamento da narrativa audiovisual, e por conseguinte,
na diminuição da capacidade de imaginação.
Tarantino copia outros cineastas, e se copia, num grande painel de
colagens que parece indicar a indisposição para novas propostas
cinemáticas, como se nada mais houvesse para ser reinventado ou
recriado em um pouco mais de cem anos de história do cinema. Um
simples jogo fetichista, de imagens-clichês que podem ser
classificadas de revival, de revisitação e toda a ordem de palavras
que anunciam o fim recriação cinematográfica, uma crise que pode ser
constatada em vários segmentos da indústria cultural e a globalização
perversa que importa e exporta produtos duvidosos. Assim, Tarantino
supre a demanda do mercado cinematográfico atual com doses cavalares
de uma estética violenta por mero entretenimento, que está bem
distante do desconforto provocado por filmes recentes e perturbadores
como “Precisamos falar sobre Kevin”, da violência onisciente de
“Cosmópolis” e da apropriação contemporânea dos elementos do cinema
western em “Drive”.
Por fim, os últimos minutos de um filme longo, que pouco acrescenta ao
gênero western ou mesmo ao western spaghetti, reiteram o que Tarantino
saber fazer melhor: o duelo final do protagonista em várias tomadas,
montagem eficiente e aquela violência básica que tenta justificar a
assinatura de seus filmes.
Por razões mercadológicas, outros diretores americanos contemporâneos
ainda não merecem o mesmo aparato de marketing e publicidade
orquestrado pelos grandes estúdios quando se trata de um novo
Tarantino. Felizmente, sempre teremos acesso (independente do suporte)
aos novos trabalhos de Darren Aronofsky, Paul Thomas Anderson, Michael
Mann, James Gray, Sophia Coppola e Todd Haynes.(José Augusto Pacheco)
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
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