"Pi" (EUA, 1998), escrito e dirigido por Darren Aronofsky, é um filme instigante, intrigante e perturbador. Pode ser, em princípio, estimulante para matemáticos, físicos e cientistas da computação, depois para psicólogos e psiquiatras e, mais, para admiradores de uma complexa trama cujo centro é um cientista obcecado que pesquisa a Matemática na busca de padrões em tudo na natureza; ele acredita na proposição: A Matemática é a linguagem da natureza. Maximillian Cohen (Sean Gullette), quando criança, recebera da mãe uma advertência: não olhar para o Sol. Aos seis anos ele olhou, ficou sem enxergar e os médicos não sabiam se ele recuperaria a visão. “– Fiquei apavorado naquela escuridão. Devagar a luz do dia penetrou através das ataduras e consegui ver. Mas algo mudara dentro de mim. Naquele dia, tive minha primeira dor de cabeça.” Com o relato desse fato feito por Max, começa o filme, que tem história de Darren Aronofsky, Sean Gullette e Eric Matson, Matthew Libatique como diretor de fotografia, montagem de Oren Sarch e música original de Clint Mansell.Max tem excepcional capacidade para efetuar contas com grandes números, de memória. Logo no início, de posse de uma pequena calculadora de mão que já tem a conta efetuada com o resultado no visor, a garotinha Jenna pergunta-lhe: “- Quanto é 322 x 491?” E ele em instantes: “- 158.102. Certo?” É o que registra a máquina de calcular. Para exemplificar a existência de padrões na natureza Max cita: o ciclo das epidemias, o aumento e a diminuição da população de caribus, os ciclos das manchas solares, a cheia e a baixa do Nilo. Ele vai além ao afirmar que na bolsa de valores há também um padrão. Max faz seus estudos com o apoio de um computador mainframe, o Euclid, que ele utiliza na construção de inúmeras séries de números e algarismos na busca de padrões, imprimindo-os em seguida para analisá-las. Inesperadamente Max recebe uma ligação telefônica, é de Marcy Dawson (Pamela Hart), sócia da Lancet-Percy, firma de estratégias de previsão e que tenta marcar um encontro com ele. Também inesperadamente, enquanto bebe chá em uma lanchonete e analisa listagens produzidas no computador de seus estudos sobre a bolsa de valores, surge Lenny Meyer (Ben Shenkman), como Max um judeu. Lenny é praticante, Max não liga para religião. Lenny também trabalha com números, nada tradicional, trabalho com o Torá.
O personagem que mantém com Max a sustentação teórico/científico/filosófica do argumento é Sol Robeson (Mark Margolis), ex-professor de Max, aposentado e que já sofreu um derrame cerebral, mas mantém ativa a capacidade cerebral de raciocínio. A inserção do ambiente externo é utilizada por Darren Aronofsky; feita de um modo criativo, é um elemento importante em uma narrativa na qual as palavras são utilizadas intensivamente em reflexões, análises, ponderações e explicitação de conceitos matemáticos, científicos e religiosos. Ao mesmo tempo em que alivia a carga verbal, é importante ao mostrar o mundo exterior que cerca Max. A utilização de ilustrações desenhadas, algumas feitas durante o filme pelos personagens, reforçam a compreensão de explicações matemáticas minimizando a aridez de alguns conceitos. O uso do jogo Go, um jogo estratégico que utiliza um tabuleiro e pedras brancas e pretas, nas discussões entre Max e Sol, permite visualização e melhor compreensão de alguns aspectos de parte das teorias em discussão. O filme é em preto e branco, com fortes contrastes entre o claro, muito iluminado artificialmente, e o escuro, dando à fotografia um papel importante no conjunto. A imagem é granulada e reforça o clima de irrealidade em muitos momentos. A música tem papel funcional sobretudo no reforço às cenas mais dramáticas.Computadores entram nas reflexões de Max e Sol e de um modo extremamente inusitado. Mestre e discípulo examinam situações de erro da máquina, de bug. O que Sol explica, ou tenta explicar, é um novo encaminhamento para as especulações e ações no filme: “- [...] minha suposição é que certos problemas prendem os computadores em determinado loop [laço]. O loop faz queimar. Mas antes eles se tornam conscientes da própria estrutura. O computador, ciente da sua natureza de silício imprime seu conteúdo.”
Na verdade, Max não é apenas um pesquisador preso a uma busca obsessiva. Ele apresenta sério problema de saúde. Tem fortes ataques que se iniciam com tremores na mão direita e vão á exaustão, à perda de consciência. Para controlá-los, ele toma remédio via oral e aplica injeções em si mesmo. Os encontros finais de Max com Marcy Dawson e Lenny Meyer e o destino do computador mainframe Euclid complementam de modo exemplar as extensas reflexões abertas em várias direções e níveis durante os momentos anteriores.O final do filme, para mim, na verdade, é ao mesmo tempo relaxante e intrigante. Max perdeu a capacidade de acertar, de memória e rápido, o resultado de contas com números grandes. Novamente testado pela garotinha Jenna para responder sobre o resultado de contas, Max diz que não sabe o resultado, e não sabe mesmo. Ele olha para o céu, com ar de satisfação, o foco da câmera, que é o que ele vê, é nas folhas de uma árvore, os galhos balançando com o passar do vento. Lentamente a câmera vai se afastando, a música é dolente. A tela escurece. (Arnaldo Prado Junior)
*”Pi” é o primeiro filme dirigido pelo cineasta Darren Aronofsky (Cines Negro/Réquiem de um Sonho) será exibido quinta, dia 25/10, no Cine Saraiva (Livraria Saraiva) às 17 h na parceria da ACCPA (Associação dos Críticos de Cinema do Pará) e APC (Academia Paraense de Ciências) com debate após a exibição.
domingo, 21 de outubro de 2012
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