terça-feira, 20 de março de 2012

O MOVIMENTO AMOROSO DE "PINA" DE WIN WENDERS

Cinema é movimento. E em “Pina”, Wim Wenders presta uma homenagem à pioneira dançarina homônima, através de uma experiência profunda que estabelece mais um paradigma tecnológico, com muita beleza e propriedade. Alemão como seu objeto de interesse fílmico, Wenders realizou algo fora do comum: um filme onde a dança transmite mais verdade e nos captura para dentro da alma de Pina Bausch, do que palavras ou movimentos de câmera.
Além de coreógrafa e dançarina, Pina Bausch especializou-se na pedagogia da dança e fundou a companhia Tanztheater Wuppertal, que continua seu legado levando peças originais a todos os cantos do mundo. Falecida em 2010, ela vive nos movimentos, ora suaves, ora enérgicos, de seus bailarinos. Ela está presente em cada elemento – seja ele água, rocha, terra, mata, ar – que mimetiza inspirações a criação corporal e coreográfica, e que compõem cenários oníricos nas cenas de dança.
O Brasil, país que Pina admirava, está presente no filme tanto na pessoa da bailarina Morena Nascimento – cuja fala sobre leveza e a personalidade da mestra, é um dos momentos que geram mais lágrimas nos olhos – quanto na inspirada trilha sonora, com bossa nova e canções de Caetano Veloso. Mas não é só. O espetáculo “Água”, cujas cenas de dançarinos desafiando a gravidade e fundindo seus corpos ao material líquido estampa a maioria dos cartazes do filme. E ele foi inspirado por uma visita que Pina fez ao Brasil, em 2001, quando se encantou com o mar e as rochas do Rio de Janeiro.

SENSIBILIDADE
A trilha sonora é mesmo um espetáculo à parte, tanto quanto a sonoplastia. Wenders nos faz enxergar os espetáculos da companhia em sua plenitude, e vai além deles, quando os tira do palco para exteriorizar o espírito da dança, tudo coreografado com tanta engenhosidade que parece orgânico. Conhecida por viajar pelo mundo para obter inspiração e utilizar as experiências de vida de seus bailarinos para criar cenas, e em conjunto, fazê-los ultrapassar seus limites para elevar sua técnica e sensibilidade, Pina tornou-se parte de cada um deles.
Construindo o documentário de maneira clássica, Wenders utiliza os depoimentos dos aprendizes de Pina, sejam os bailarinos que atualmente estão na companhia, quanto os que já a deixaram, para construir um mosaico, um perfil indelével de Pina. “Pina, estou esperando você nos meus sonhos”, solta uma bailarina francesa. Apesar de ser um filme alemão, Wenders convidou todos a se expressarem em suas línguas, até como forma de provar a teoria de que a dança é a uma linguagem universal. O bailarino espanhol conta como ele superou um desafio de criar um movimento que expressasse a felicidade, enquanto que outro bailarino, mais velho, toca profundamente ao olhar com doçura para a câmera e depois fazer uma mímica gestual que expressa toda a sua afeição pela mentora.
“Dance, dance. De outra forma estamos perdidos”. Com essa frase da Pina que se coloca entre o espaço e tempo contemporâneo, Wenders encerra seu filme. Uma mensagem definitiva, ou ainda filosófica. Fato é que o filme nos faz refletir, utilizando a filosofia de trabalho de Pina, sobre como o toque é parte importante da equação humana.
Um dos seus temas recorrentes, a interação do masculino e feminino surge em belas sequências onde o movimento amoroso divide a tela com a pressa advinda da modernidade, em uma rua movimentada de Wuppertal, ou num prédio silencioso.
As cores dos figurinos, a maciez dos vestidos das bailarinas, a forma como o 3D eleva os movimentos e cria camadas entre os corpos, as roupas e outros elementos que formam o quadro – tudo se combina para formar um produto artístico cujo destino é a eternidade.

Genialidade dupla
Exibido em Belém na semana passada, durante uma sessão promovida pela distribuidora Imovision, “Pina” nos deixa em estado de graça, por conta da leveza da narrativa que Wim Wenders apresenta, e a sensibilidade com que desnuda o coração de Pina, cujas artérias e veias são seus dançarinos, jovens e velhos, que fizeram parte da trajetória da mulher que redefiniu a arte performática. A combinação Pina e Wenders haveria de resultar numa obra definitiva. Wenders gestou desde 2008 o projeto, que finalmente estreou no festival de Berlim do ano passado, e vem deixando fascinadas platéias do mundo todo. Independente do público ser formado por dançarinos, ou pessoas que nunca fizeram balé na vida, a emoção que percorre cada take, cada gesto dos seguidores de Pina, é um deleite para os olhos e a alma. Agora é esperar que ele entre em cartaz na cidade, para que o maior número de pessoas possa viver essa experiência que vai além do cinema.(Lorenna Montenegro)

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