segunda-feira, 5 de março de 2012

NO LIMIAR DA SÉTIMA ARTE

Agora que o filme francês mais badalado dos últimos anos recebeu cinco Oscars no último domingo, carimbou credenciais para que a sua distribuidora a Paris Filmes, disponibilizasse diversas cópias pelo Brasil, muitos terão a oportunidade de conferir a obra, que presta um grande tributo ao antigo cinema e também olha para o futuro.

O diretor Michael Hazanavicius nos transporta para a Hollywood no ano de 1927, período no qual astros do quilate de Charles Chaplin, Mary Pickford, Dougas Fairbanks, Clara Bow e Rodolfo Valentino arrastavam milhares de pessoas à monumentais salas para vê-los na tela. George Valentim (Jean Dujardin), faz parte desse ‘star system’ e é o astro maior dos estúdios Kinograph, de Al Zimmer (John Goodman).

No primeiro minuto do filme, um cinema mostra Valentim sendo torturado por seus algozes e escapando da morte graças as peripécias do cãozinho Huggie. Por trás da tela, o ator saboreia seu sucesso e aguarda os aplausos. Mas a arte cinematográfica atravessa um momento de mudança profunda, quando o som, que não ouvimos mas sentimos quando a orquestra executa a trilha ao vivo na sala, passa a ser parte imprescindível da equação.

E se os atores, invés de mimetizar cada gesto e ter uma boa parte da ação resumida a uma cartela com poucas palavras, pudessem falar e ser ouvidos pela platéia? Isso começa a passar pela cabeça de Zimmer, que apresenta a possibilidade a Valentim. ‘As pessoas vão ao cinema para me ver. Eu sou um artista e não preciso me sujeitar as mudanças e tecnologia para fazer a minha arte’, decreta o ator ao chefão do estúdio. Sua derrocada, como uma gangorra, eleva o status da corista Peppy Miller, que entra em sua vida acidentalmente e, impulsionada pelos conselhos dele e uma charmosa pinta, torna-se a queridinha da América.

Berenice Bejo empresta muita graça e uma atitude ‘coquete’ para sua Peppy Miller, que diverte e emociona, além de ter uma química irresistível com o Valentim de Dujardin. Ele, vai ficando para trás com o desinteresse pelos filmes mudos. Quando a Bolsa de Nova York quebra, Dujardin vai a falência, perde a mulher, a riqueza e aposta suas fichas no cinema ao escrever, dirigir e estrelar um filme.

Dujardin mereceu ser laureado com o premio de melhor ator, por uma atuação que não exigiu grandes desafios de composição fisionômica ou psicológica, mas é sutil e delicada. Em cenas como a do incêndio, ou mesmo durante o sonho no qual tudo ao seu redor emite sons, menos o próprio, ele nos fisga, quase leva as lágrimas, como as que brotam dos olhos de Peppy Miller quando o vê sendo engolido pelo progresso tecnológico. Quando Valentim finalmente fala, seu “Oui” transmite muito sobre o recomeço de um ser humano que parecia estar desacreditado. Tal como o “Genial! Merci!” que o ator soltou ao ser premiado com o Oscar.

A história de O Artista é construída de forma linear e clássica, com o apogeu, a queda e a ressurreição de Valentim conduzindo a narrativa. Mas Hazanavicius não abre mão do jogo de cena, de recursos da linguagem, como fusões e truques de câmera, para ilustrar o próprio poder do cinema em gerar imagens inspiradas, ao mesmo tempo em que presta homenagem a filmes icônicos de Hollywood – como a rua em que Valentim transita quando vai vender seu paletó, a mesma que vemos em O Garoto, ou a cena em que se encontra na escadaria do estúdio com Peppy Miller, e parece encarnar perfeitamente Clark Gable olhando de soslaio numa cena semelhante em ...E O vento Levou.

Fato é que as referencias são muitas mas em nenhum momento elas se tornam dominantes sobre a história de dois seres que se apaixonam e pertencem a eras diferentes, como no clássico Nasce uma Estrela. E, apesar de filmes clássicos como Cantando na Chuva terem explorado o tema da transição do cinema mudo para o falado, nenhum o fez com tanto domínio e objetividade quanto O Artista, graças a criatividade de Hazanavicius – que escreveu o roteiro original – e a competência de seu casal central, muito inspiradores e humanos.

O Artista mereceu todos os prêmios que levou e, se fosse possível definir em poucas palavras o efeito de assistir a sua projeção e ao desfecho glorioso do enredo – que homenageia musicais como Zigifield Folies e da dupla Fred Astaire e Ginger Rogers -, caberia aqui um sublime. Ou quem sabe apenas um sentimento de satisfação, já que a combinação de imagens, enquadramentos, olhares e a deliciosa trilha sonora são mais preciosas do que mil palavras.(Lorenna Montenegro)

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