quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A INVENÇÃO DE HUGO CABRET

Afinal o que é o cinema? A arte das imagens em movimento, mas, a partir daí, o estimulo aos sonhos, à fantasia. Quando se pensa que o cinema espelha a realidade, e no caso há o “cinema verité” que se fez nos anos 70 por Edgar Morin e Jean Rouch é preciso reconhecer que esta arte conviveu, antes, sem rótulos, por quem imaginou uma personalidade da câmera, ela atuando como atriz na concepção que se chamou de “câmera olho”. Até aí o real passa pelo olhar de quem está dominando a objetiva, ou seja, vê-se aquele olhar que está conduzidno a filmagem. Quer dizer, a análise da narrativa tem que levar em conta que há subjetividade nas imagens filmadas, haja vista o reconhecimento de alguém que está “por trás da câmera”. As imagens não são ingênuas. (Quem estudar a teoria do filme vai chegar a essas conclusões e/ ou aqueles que reconhecerem na linguagem godardiana esse vértice da invenção).
Esse preâmbulo é para tratar da mais recente dádiva de Martin Scorsese à cinemagia – “A Invenção de Hugo Cabret” (Invention of Hugo Cabret, EUA, 2011, 127 min. 3D). Ele se encontrou no livro “Hugo”, de Brian Selznick, um descendente do famoso produtor David O. Selznick. Embora Scorcese não tendo sido um menino como Hugo (Asa Butterfield), sempre foi um cinéfilo como René Tabarg (Michael Stuhlbarg ), no filme, o personagem que descobre George Méliès em sua casa, escondido da fama a que faz jus por ter sido um dos inventores da linguagem cinematográfica.
A história acompanha o menino de rua, órfão de pai, vagando pela estação ferroviária onde maneja os relógios e busca peças para consertar um autômato deixado inacabado pelo pai. Este menino vive fugindo do inspetor local (Sacha Baron Cohen) e conhece a garota Isabelle (Cholë Grace Moretz), justamente a afilhada de George Méliès (Ben Kingsley). Através dela toma contato com o velho cineasta que dirige uma banca de brinquedos e se mantêm em casa, amargurado por sua arte não ter sido devidamente reconhecida.
A imagem da lua atingida por um foguete e fazendo careta é o elo de ligação entre Hugo e George a partir de um desenho do robô. Através de Isabelle ele vê que esta imagem é de um filme antigo e na companhia de René vai levar a obra ao seu autor, uma das raras que o pioneiro da Sétima Arte deixou preservar quando, na crise de depressão destruiu quase toda a sua base de material filmográfico.
Realizado em 3D “A Invenção de Hugo Cabret” refaz a Paris dos anos 1920 de forma a que o espectador se sinta dentro do cenário. E a trama fora dos filmes mudos é muito semelhante com o que esses filmes mostravam: do artesanato ao tema que se pode achar “clichê”. Tudo é cinema-sonho, a culminar com a homenagem a Méliès que, na verdade, jamais se deu. O criador de “Voyage dans la lune”(1902) morreu pobre e esquecido. Só muito depois de sua morte, acontecida em 1938, é que ele ganhou reconhecimento publico em documentários e coletâneas de seus filmes curtos.
Na sequencia inicial do filme onde um microcosmo é criado no pátio de uma estação de trem de Paris com a circulação de pessoas, de vários tipos reconhecidos como figuras essenciais numa cidade, vertebrados numa síntese social urbana vê-se a chegada de um trem – uma analogia aos primeiros filmes dos irmãos Lumière. Ou seja, ao nascimento do cinema que se compartilha com o percurso de Hugo, garoto solitário, escondido da Lei para não ser levado para o orfanato, praticando pequenos furtos para sobreviver, mas sempre na trilha de um sonho. Este convite faz Scorcese ao público que vai assistir ao filme, desdobrado nas aventuras do garoto, mas compartilhado com a do velho George que seduz Hugo pelos inventos à venda em seu estande. Nesse turbilhão de sincronias com a história do cinema, nada é perdido, tudo tem objetividade, mostrando a sobrevivência do próprio cinema nas pegadas das desconfianças de que saisse do burburinho dos cafés e das feiras para novas e sofisticadas engrenagens usando os truques como uma invenção mágica fugindo da realidade dando cunho à fantasia.
Ao seguir o garoto e as multiplas artimanhas para sobreviver naquele mundo de descobertas e finalizar seu pequeno robô, a câmera nos leva aos primeiros anos do cinema. Nos sonhos de Hugo podem ser capturados os pequenos filmes que saiam dos estudios, as “vistas naturais”. A condição de ser um visionário e de reconhecer que num dos desenhos situavam-se sensações, não dão explicações ao garoto que precisava de um interlocutor. Só mais tarde é que os bloqueios se desfazem ao acreditar em Tabarg, o pesquisador do “primeiro cinema” e descobrir toda a trama encoberta à carreira de Meliès.
No trabalho de Scorsese uma direção de arte primorosa deixa impresso o tempo da ação, e a fotografia endossa essa imagem do passado. Nada se perde no filme. É um trabalho minucioso que usa o cinema em toda a sua plenitude. Homenageando o mágico (foi agente do famoso Houdini) criador de efeitos visuais, homenageia, naturalmente, esta “fabrica de sonhos”(tratada de forma explicita) ao incorporar ao filme outro truque, o do 3D.
Um excelente filme que surge candidato a 11 Oscar. Dificilmente sairá da festa do próximo domingo sem ser reconhecido.(Luzia Álvares)

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