quarta-feira, 19 de agosto de 2009

DO MUNDO NADA SE LEVA

Nos anos 30/40 só 3 diretores de Hollywood ganhavam espaço nas marquises dos cinemas ao lado das chamadas “estrelas”: Cecil B. De Mille. John Ford e Frank Capra. De Mille rimava com os espetáculos histórico-religiosos como “O Rei dos Reis”, “O Sinal da Cruz”, “Os 10 Mandamentos’,”Cleópatra” e, mais tarde, “Sansão e Dalila”. Ford era o dono dos faroestes classe A. Seus filmes revelaram a beleza panorâmica do Monumental Valley e artistas de dramas e comédias dos grandes estúdios em papéis densos no cenário dos cow-boys. E Frank Capra significava a comédia social, o otimismo, o porta-voz do New Deal, a política de ressurgimento socioeconômico do governo Franklin Roosevelt.
“Do Mundo Nada Se Leva”(You Can’t Take It With Tou/ 1938) é bem um filme de Capra embora o roteiro tenha vindo de uma peça teatral (de George Kaufman e Moss Hart). Em foco uma família que antes de se falar em existencialismo procurava fazer o que queria. O patriarca, um simpático vovô (Lionell Barymore, já usando muletas por conta da artrose que o tornaria paralítico a ponto de fazê-lo trabalhar em cadeira de rodas no outro clássico de Capra, “A Felicidade Não Se Compra”/It’s a Wonderful Life) dizia que “se encontrou” quando, ao descer no elevador de um prédio de executivos percebeu que devia aproveitar o resto de sua vida tocando a sua gaita e brincando com os familiares. A filha deste senhor(Spring Byngtom) sustentava a mania de escrever histórias policiais usando o tempo numa máquina de escrever situada abaixo de um quadro com a tradicional frase “Home Sweet Home”(Lar Doce Lar). A neta(Jean Arthur), funcionária de um escritório, acabaria por namorar o filho(James Stewart) do dono deste escritório(Edward Arnold), magnata que cobiçava a casa de seu avô para expandir o seu império imobiliário. Agregados iam de uma dançarina (Ann Miller) que vivia ensaiando passos de balé com a música tocada pelo namorado, um bancário que deixara o cargo de caixa para fazer brinquedos, o genro do vovô, especializado em explosivos, e até um russo(Misha Auer) que aparecera para filar as refeições e se divertia com a independência dos novos amigos.
Este mundo de personagens alegres estremecia com as ameaças da expansão urbana.Mas como nos melhores contos de fadas eles estarão, quando fechar o pano (obviamente no teatro) tocando gaita e dançando.Ricos e pobres confraternizam a seguir num almoço onde os resquícios de vaidade dos donos do capital diluem-se nas piadas de um russo gaiato (um tipo que não previa o russo-vilão da década seguinte) e de um brinde do mais velho representante da liberdade de expressão.
A festa que é o filme, jogando numa direção hábil a ginástica de usar o espaço teatral sem um só momento de monotonia (cinema é arte muito diferente, exigindo dinâmica de atores & planos), persistiu da época de depressão pós-1929 ao novo cenário econômico, a imitar esse passado distante. Recentemente um teatro americano reencenou a peça original.Com sucesso. O filme de Capra joga com “closes”, com montagem célere, com movimentos de câmera intensos mesmo no espaço reduzido (há poucos planos fora da casa dos Vanderhog). Hoje faz rir como ontem fazia. É o tipo do filme que diverte sem macular a inteligência do espectador. Dizer que Capra era um “contador de histórias amenas” é desconhecer a riqueza dessa forma de contar, a linguagem que faz de filmes como “Do Mundo Nada se Leva” um programa para muitas gerações darem boas gargalhadas. E em meio ao riso, refletir sobre classes, sem necessariamente se limitar à guerra entre elas.(Pedro Veriano)

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